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Artigo – Protesto, prescrição e decisão judicial – por João Peixoto Garani

O propósito deste texto é analisar a responsabilidade dos tabeliães na qualificação dos títulos judiciais, considerando especialmente o tema da prescrição, bem como a eficácia do protesto para determinadas decisões judiciais.

Quanto ao tratamento normativo dado à prescrição, a lei de protesto dispõe expressamente que não cabe ao tabelião investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade dos títulos protocolados (artigo 9º da Lei 9492/97). A princípio, essa regra parece adequada, uma vez que a análise da prescrição demanda o conhecimento de questões subjacentes que implicariam dilação probatória, desbordando da atribuição dos tabeliães. Apenas o Código Civil (CC), por exemplo, em quatro artigos (197, 198, 199 e 202) traz 15 hipóteses de impedimento ou interrupção da prescrição.

Não obstante o limite legal de atuação do tabelião em matéria de prescrição, o uso do protesto de forma abusiva sempre foi objeto de atenção pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), em 2004 passou a aumentar as exigências para o protesto de cheques antigos (Provimento 24/2004). E, desde 2012 (Provimento CG 12/2012), tem normatizado o entendimento que considera inadmissível o protesto facultativo de títulos quando presentes indícios de abuso de direito por parte do apresentante. Nessa hipótese, o tabelião deve recusar o protesto, resguardo ao interessado o direito de recorrer ao Juiz Corregedor (item 34 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo — NSCGJ/SP, Tomo II).

Em 2017, contudo, o Superior Tribunal Justiça (STJ), em julgamento de recurso repetitivo, limitou o protesto de cheques antigos (REsp 1.423.464/SC). Naquela ocasião foi fixada a tese segundo a qual somente se admite o protesto de cheques que estejam dentro do prazo de execução da lei 7357/1985 (6 meses após o prazo de apresentação). Tal interpretação tem sido aplicada aos demais títulos de crédito de forma que não se admite o protesto de títulos cuja pretensão de execução esteja prescrita. O Tribunal tem entendido que a prescrição, por ser matéria de ordem pública, integra os elementos formais do título, cuja regularidade deve ser observada pelo tabelião na qualificação.

Já no que concerne à jurisprudência do TJ-SP, esta historicamente aproximava-se do disposto na lei de protesto. Isto é, para o Tribunal Paulista, não caberia ao tabelião investigar ocorrência de prescrição e, ainda que presente esta, sua ocorrência não impediria o protesto. Nesse sentido, era a Súmula 17 do TJ-SP (publicada em 2010): “A prescrição ou perda da eficácia executiva de título não impede sua remessa a protesto, enquanto disponível a cobrança por outro meio”. Entretanto, esse enunciado foi revogado em 2017 (Procuração nº 82.816/2017) por ser incompatível com a jurisprudência do STJ, fixada no REsp 1.423.464/SC, acima referido.

Ao cancelar a súmula 17, o TJSP passou a entender que o protesto não pode ser lavrado quando o título não estiver apto a instruir ação executiva, sob pena de caracterizar constrangimento abusivo do devedor. Mais recentemente, a Seção de Direito Privado do TJSP, em sessão de 22/09/2022, aprovou o enunciado 11, nos seguinte termos: “A cobrança extrajudicial de dívida prescrita é ilícita (…)”. Em que pese esse entendimento, há decisões em sentido diverso. E.g., no julgamento da Ap. Cível nº 1022657-07.2022.8.26.0564, a 11ª Câmara de Direito Privado decidiu que a cobrança de dívida prescrita não é ilícita, ante a ausência de lei nesse sentido. E que a ilicitude decorre do abuso na cobrança e não da prescrição. Nesse caso, contudo, não houve protesto, mas apenas o envio da dívida para órgão de proteção de crédito.

Tudo considerado, todavia, não deve o tabelião dar seguimento ao protesto nas hipóteses em que, pelo decurso do tempo, o título esteja aparentemente prescrito. Nessas situações, o credor deve valer-se da cobrança judicial, seara na qual ele poderá demonstrar que a prescrição não ocorreu. E, tendo êxito, poderá oportunamente protestar o título judicial, se for o caso.

No âmbito dos títulos judiciais, o protesto merece também algumas considerações. Diferente do que ocorre nos demais títulos, aqui não há norma ou orientação jurisprudencial para que o tabelião analise eventual prescrição. Entretanto, há situações sensíveis. Não é incomum chegarem ao balcão do cartório certidões para fins de protesto recém emitidas, mas referentes à sentenças muito antigas.

Nesses casos, o tabelião deve presumir que eventual prescrição já foi objeto de análise pelo magistrado que determinou a emissão da certidão, bem como pelo serventuário que a expediu. Portanto, não caberia ao tabelião se imiscuir na questão, sob a alegação de que a prescrição é questão de ordem pública e, portanto, integraria os elementos formais do título.

Em resumo, para ser levada a protesto, a decisão judicial deve ter transitado em julgado, bem como deve ter transcorrido o prazo para pagamento voluntário, nos termos do artigo 517 do Código de Processo Civil (CPC). Na mesma linha, as normas de SP, em seu artigo 104-A (NSCGJSP, Tomo I) informam que deve constar da certidão para fins de protesto esses marcos temporais.

Ocorre que, não está previsto quais datas devem ser usadas pelo tabelião no procedimento de protesto para fins de emissão e vencimento do título. Em consulta informal a tabeliães do estado de São Paulo, verificou-se que há pluralidade de entendimentos. A depender do cartório, pode ser considerada para fins de emissão do título tanto a data da distribuição do processo, como a da sentença, do trânsito em julgado ou mesmo da emissão da certidão para fins de protesto. E o mesmo ocorre em relação à data de vencimento do título.

A princípio parece que o tabelião, ao protocolar a certidão para fins de protesto, deve considerar a data do trânsito em julgado da decisão (se houver) para fins de emissão. Isto porque, como regra, a lei exige a ocorrência trânsito em julgado para o protesto, antes do que a decisão não estaria perfeita para essa finalidade. Já em relação ao vencimento do título, este deve ser o prazo para pagamento voluntário e não a data de emissão da certidão. Em todo caso, fica ressalvada a possibilidade de o magistrado indicar marcos temporais diversos na certidão. Entretanto, se a certidão não informar as datas acima, deve o tabelião devolver o título por irregularidade formal.

Contudo, há situações nas quais a solução deverá ser diversa. No caso de decisão de alimentos, por exemplo, não se aguarda o trânsito em julgado para o protesto, que é determinado pelo juiz (artigo 528 do CPC). Voltando às normas de São Paulo, o Provimento CG nº 13/2015, que incluiu o artigo 104-A, acima referido, nas normas de serviço, fez constar no dispositivo que “Em todos os casos, a certidão será levada a protesto sob a responsabilidade do credor”. Todavia, ainda que pese sobre o credor a responsividade pelo protesto da certidão, esse fato não retira do tabelião incumbência da qualificação do título. Desta feita, não deve o tabelião acatar pedidos que agravem indevidamente a situação do devedor. Como seria o caso de o credor tentar fazer constar como data de vencimento da obrigação a data da emissão da certidão.

Essa questão, aparentemente bizantina, traz importantes implicações práticas. O STJ, na súmula 323, estabelece que: “A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução”. E esse prazo é contado do vencimento da dívida, segundo interpretação do próprio STJ em julgamento de 2020 (REsp 1.316.117-SC).

Como fica claro, o protesto de títulos que, embora ainda não prescritos, tenham data de vencimento anterior a cinco anos, terá seus efeitos muito restringidos. Fica afastado, por exemplo, o abalo no crédito do devedor, já que a dívida não será enviada aos órgãos de proteção crédito.

Fica assim, esvaziada a chamada publicidade específica, reconhecida pelo próprio TJ-SP como fundamental para a eficácia da cobrança. “É inegável que essa finalidade do protesto de título judicial — em nada condenável, já que a grande pretensão das últimas reformas legislativas foi dar efetividade ao cumprimento das decisões judiciais — torna-o legítimo instrumento de amparo aos interesses do credor e, ao fim e cabo, do próprio Estado” (Parecer 74/2015-J, que de fundamentou edição do Provimento CG 13/2015).

É certo que, mesmo nesses casos, o protesto poderá ser lavrado e será válido, entretanto, sua eficácia fica limitada à emissão das certidões de protesto eventualmente solicitadas. O que, em regra, só ocorre em situações específicas nas quais a certidão de protesto é exigida, como para participação em alguns certames públicos, por exemplo.

Mais recentemente, o TJ-SP instaurou um incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR 2026575-11.2023.8.26.0000) para uniformizar a jurisprudência sobre a cobrança de dívidas prescritas. O incidente, que está pendente de julgamento, determinou a suspensão de todos os processos em curso sobre a matéria e deve tratar também da incidência ou não de dano moral em favor dos devedores.

Outra questão interessante é sobre a possibilidade de se protestar decisão judicial que reconhece obrigação de pagar dívida constante de título já protestado. Como se sabe, em regra, não é possível protestar a mesma obrigação mais de uma vez, sob pena de se violar o princípio da unitariedade. Entretanto, há entendimento no sentido de que, por se tratar de título diverso, seria direito do apresentante insistir no protesto, sob sua responsabilidade.

Essa questão já foi objeto de análise pelo TJ-SP. No caso, o tabelião recusou o protesto de sentença homologatória de acordo para pagamento de dívida representada por cheque já protestado. A parte interessada, após o juiz corregedor permanente concordar com a recusa, recorreu à Corregedoria Geral da Justiça. Esta, no Processo CG 2008/68026, entendeu pela inadmissibilidade do protesto do título que, embora diverso, consubstanciou uma obrigação já protestada.

Ante questões tão delicadas, aumenta a responsabilidade dos tabeliães de protesto. Sua conduta deve, a um só tempo, garantir o direito legítimo do credor, sem, contudo, permitir que haja vexações ilegais ao devedor.

 

FONTE: ConJur