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“O Marco das Garantias deve impulsionar a atividade imobiliária e os atos de registro no país”

Bernardo Chezzi, advogado especializado na área imobiliária e vice-presidente do Ibradim, fala sobre os reflexos da nova lei que permitirá o aumento do acesso ao crédito imobiliário no país

O Marco Legal das Garantias, como é conhecida a lei 14.711/23, tem o objetivo de reduzir o custo do crédito no país, aprimorando as regras jurídicas e facilitando a retomada de bens em caso de inadimplência. O texto amplia as formas do credor cobrar os bens dados como garantia pelo devedor em caso de empréstimo, como imóveis; além de permitir o uso de um mesmo bem em mais de um financiamento. Trata ainda de penhora, hipoteca ou transferência de imóvel para pagamentos de dívidas.

Para trazer uma análise mais detalhada sobre a nova lei, a Associação dos Registradores de Imóveis do Paraná (Aripar) entrevistou o advogado Bernardo Chezzi, que participou das discussões do anteprojeto do Marco Legal das Garantias e do Sistema Eletrônico de Registros Públicos, antes da criação do Mercado de Capitais (IMK) pelo Governo Federal. Chezzi também acompanhou a tramitação do PL 4188 no Congresso Nacional como assessor do Registro de Imóveis do Brasil.

Na opinião do advogado, a Lei traz inúmeras novidades e possibilidades, com destaque para a atuação do registro de imóveis. ”O registro de imóveis brasileiro, além de um dos mais seguros e econômicos do mundo, mostra-se eficaz para a concessão do crédito imobiliário no país, com uma das maiores taxas de recuperação de todo sistema”, afirmou.

Atualmente, Chezzi coordena as atividades de diálogo entre registradores de imóveis, mercado imobiliário e mercado financeiro, no Fórum Nacional de Desenvolvimento Imobiliário. É fundador e atual vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), professor e coordenador de cursos de referência no Direito Imobiliário, Notarial e Registral e parecerista sobre temas relacionados.

Confira a entrevista completa:

 

Aripar – O Marco Legal das Garantias traz aperfeiçoamentos no regime jurídico, que melhoram o ambiente de negócios. Quais são os principais destaques para o registro de imóveis?

Bernardo Chezzi – A Lei 14.711 consagra o registro de imóveis como ambiente seguro e eficaz para garantir o sistema de financiamento no Brasil, fortalecendo um microssistema de execuções extrajudiciais que garanta a recuperação do crédito.

Buscou-se na nova legislação possibilitar que o brasileiro use o máximo potencial de crédito dos seus ativos imobiliários, evitando-se a figura do capital morto, através da possibilidade de extensão do crédito existente ou por meio de garantias supervenientes.

Como novidades, são várias, entre elas a execução extrajudicial da hipoteca, as profundas mudanças na lei de alienação fiduciária – desde tópicos como intimação, para evitar-se as fraudes ao crédito e ganho de efetividade, convivência da dívida do credor com as dívidas do devedor, regras de leilão, o concurso extrajudicial de credores, a nova atipicidade registral e muitos outros tópicos.

 

Aripar – Pode exemplificar como funcionava antes e como será agora?

Bernardo Chezzi – No regime anterior, se eu tivesse um imóvel que valesse um milhão e registrado uma garantia de alienação fiduciária de uma dívida de duzentos mil, eu tinha poucas ferramentas para usar o valor restante, de oitocentos mil reais, para novas garantias. Agora, eu consigo estender esses valores com uma averbação de valor econômico ou também realizar novas alienações fiduciárias sobre parte ou a totalidade dos oitocentos mil reais.

 

Aripar – E o concurso de credores, como funciona?

Bernardo Chezzi – O registrador fornecerá ao credor uma lista de todas garantias que estejam registradas na matrícula, extrajudiciais e judiciais. Fornece-se uma certidão com a anterioridade de inscrição, indicando uma possível prioridade de pagamento, no que concerne a créditos ordinários, e também a notícia de dívidas judiciais que deverão ser pagas pelo credor. Caberá ao credor adotar as diligências necessárias para pagamento dos débitos judiciais com prioridade pela natureza da dívida (exemplo, trabalhistas e fiscais). A certidão é da situação jurídica de créditos na matrícula, mas a eleição de prioridades referente ao concurso singular é do credor.

 

Aripar – É a volta da hipoteca?

Bernardo Chezzi – Hoje no país mais de 90% dos créditos com garantia real são instrumentalizados por alienação fiduciária. Isso é resultado de um sistema normativo eficaz, que protege o crédito do credor dos demais débitos do devedor – o que sobrar do primeiro é destinado ao pagamento aos demais. A hipoteca continua não tendo prioridade de pagamento ante a débitos judiciais de natureza trabalhista ou fiscal, mas a depender da natureza da operação e do perfil do devedor, ela passa a ser muito mais interessante, a recuperação extrajudicial evitará a judicialização da dívida. Também no rito extrajudicial da hipoteca o credor não precisa consolidar a propriedade, pagar ITBI, as regras aqui são mais flexíveis de venda direta a terceiros se o segundo leilão for negativo ou de ele ficar com o bem em pagamento da dívida.

 

Aripar – E agora os registros são atípicos?

Bernardo Chezzi – Os direitos reais continuam típicos, mas a flexibilização que aconteceu no inciso I do artigo 167 da Lei 6.015 permite que a qualificação registral se atenha mais a quais direitos reais estão sendo constituídos, transferidos ou modificados que propriamente o nome do título ou das operações que são nele efetivadas. O título pode ser atípico, mas os direitos para registro continuam típicos.

 

Aripar – É uma grande mudança, considerando a inovação que já continha a Lei 14.382 (Lei do SERP), ao modificar as averbações, com a alteração do artigo 246 da LRP?

Bernardo Chezzi – Sim. Essa inovação do artigo 246 da LRP é importante também. Consigna a possibilidade de averbações atípicas noticiar na matrícula circunstâncias jurídicas que tenham relação relevante com o direito de propriedade e seus consectários sobre o imóvel. Dei uma aula recente pela Escola Nacional dos Notários e Registradores sobre esse tema, com os registradores de imóveis Marcelo Couto e Priscila Patah, em que exploramos algumas possibilidades desse novo regime, mas também analisamos alguns limites. Essas inovações são interessantes, pois facilitam o acesso ao fólio real pelos usuários, democratizando e ampliando o serviço público de registro de imóveis.

 

Aripar – As alterações já estão valendo?

Bernardo Chezzi – Todos os novos procedimentos já valem, por força do artigo 14 do CPC que estabelece imediata vigência sobre alterações de natureza processual. Uma das exceções é o rito de execução da hipoteca extrajudicial, que depende de previsão no título.

 

Aripar – Como avalia a importância da atuação dos registradores de imóveis em meio a todas essas mudanças e quais as consequências esperadas?

Bernardo Chezzi – O registro de imóveis brasileiro, além de um dos mais seguros e econômicos do mundo, mostra-se eficaz para a concessão do crédito imobiliário no país, com uma das maiores taxas de recuperação do crédito de todo sistema. Espera-se aumento no fluxo dos financiamentos, tanto do sistema financeiro imobiliário, habitacional, como dos demais do sistema financeiro nacional, e, ainda, do crédito não bancário, praticado por exemplo por incorporadores ou loteadores na venda de um bem com um saldo devedor pendente a ser garantido na matrícula do imóvel, quando eles próprios estejam financiando este residual com o adquirente.

 

Aripar – Quais são as expectativas do mercado imobiliário com o Marco Legal das Garantias?

Bernardo Chezzi – Acredito que há grandes expectativas. Não há nada que seja mais democratizante ao acesso à casa própria do que o facilitamento do crédito. Isso deve impulsionar a atividade de produção de imóveis e consequentemente aumentar o número de atos nos registros imobiliários. Nosso potencial de crescimento é muito grande. Saímos de um percentual ínfimo do PIB de financiamento imobiliário, quando não havia a alienação fiduciária, para os atuais 13% do PIB, que ainda é muito pouco quando se compara com países mais desenvolvidos, como Inglaterra e Estados Unidos, em que se financia um volume próximo ou superior a 100% do PIB daquele país.

 

Aripar – O sistema registral imobiliário brasileiro está pronto para todas essas alterações?

Bernardo Chezzi – O sistema registral imobiliário brasileiro deu belas provas de eficiência com a extrajudicialização da retificação de registro, de área, com a usucapião e a adjudicação compulsória, e com as execuções da alienação fiduciária. Não tenho dúvidas que o novo marco normativo será muito bem aplicado: temos os melhores quadros selecionados por concurso público e entidades estaduais e nacionais vigilantes na normalização, padronização dos atos, na difusão do conhecimento. Os registradores de imóveis serão fundamentais também para esta nova etapa da economia brasileira.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação – Aripar